Maratona em monociclo: veja o relato de Cafi Otta

Veja o relato de Cafi Otta, que participou da Maratona de Düsseldorf em um monociclo!

Poucas provas disponibilizam a categoria maratona em monociclo. Uma delas é a Maratona de Düsseldorf, na Alemanha, que acontece no mês de abril.

Cafi Otta, de São Paulo, é malabarista, palhaço e maratonista de monociclo, e nos contou sua experiência participando da Maratona de Düsseldorf 2012 em um monociclo – em 2013 ele estará lá novamente, além de também participar da Maratona do Sol da Meia Noite, na Noruega.

Confira o relato:

Nunca tinha pensado em fazer uma maratona… muito menos de monociclo! Já tinha ouvido falar, até conheci um cara que fez algumas vezes o que pra mim era uma façanha quase impossível, pra não dizer desnecessária, maluca!

Até que outro dia, nem lembro bem o motivo, resolvi que iria participar de uma dessas provas. E lá fui eu atrás de informação a respeito.

Primeiro passo: o material. Eu já sabia que com uma roda maior fica mais fácil (ou menos difícil) participar da prova, mas como conseguir um monociclo com uma roda grande morando no Brasil? A internet resolveu este problema. Em quatro dias encontrei uma loja virtual da Costa Rica, encomendei e recebi um monociclo com aro 29”. Somando-se o mono, o transporte e as taxas alfandegárias lá se foram mais de R$ 1.200,00. Mas pelo menos agora estava com o equipamento certo!

Segundo passo: o treinamento. Pensei comigo: “pra fazer uma maratona o cara precisa de resistência física”. Então bora treinar resistência. Primeiro dia de treinos, 5 km. Segundo dia, 10 km. No terceiro, 15 km. No décimo, os mesmos 15 km. Ou seja, ainda faltavam quase 30 km!!! Parecia impossível, mas preparadores físicos e outros maratonistas diziam que o caminho estava certo. Persistência, paciência e perseverança! E lá se foram mais de 300 km em cerca de 3 meses, até o dia em que consegui, com MUITO esforço, fazer 30 km. Daí me disseram: “quem faz 30 km. Faz 42!” Isso foi um alívio, porque já estava pronto, mas também um certo desespero, porque ainda faltava um mês até a prova. Foram 30 dias de muita ansiedade tentando manter a forma que eu tinha conseguido, tarefa quase impossível.

Terceiro passo: a prova. Depois de um tempo de pesquisa sobre maratonas de monociclo fica claro uma coisa: não existem muitas provas desse tipo por aí! Muitos atletas acabam participando de corridas normais, quando os organizadores deixam. Mas descobri que a Maratona de Düsseldorf, na Alemanha, tem uma categoria só de monociclistas. Pronto, decidido! Vou participar, pensei eu. Depois de juntar muitas milhas de companhias aéreas, cartões de crédito, da mãe, da sogra, do cachorro e do papagaio, consegui comprar a passagem por um preço ótimo! Hotel, traslados e outros detalhes resolvidos, só faltava chegar a hora.

Dia 1 – A partida

Tudo pronto pra partida, lá vou eu pro aeroporto com uma mala pequena e meu monociclo. Aquele trânsito básico na Marginal (São Paulo), um checkin tranquilo e uma visão inusitada, a seleção brasileira de robótica indo pra Chicago competir. 12 horas de voo depois eu chego em Frankfurt pra fazer uma conexão para Amsterdã, cidade onde eu ficaria 4 dias antes da corrida. Escolha feita porque a cidade holandesa é uma das cidades mais ciclísticas do mundo.

Dia 2 – Chegada em Amsterdã

Chego em Amsterdã no fim do dia. Um vento congelante acerta minhas orelhas assim que desembarco na estação de trem central. Imediatamente começo a pensar como é correr uma maratona de monociclo no frio. Só tinha treinado no parque do Ibirapuera  26°C… Corro pro hotel pra tomar um banho quente e finalmente descansar um pouco.

Dia 3 – Frio, muito frio

Depois de uma noite tranquila de sono acordo com algumas picadas no braço direito. Pareciam de pulgas, o que não seria estranho naquele hotel, que não era exatamente o mais limpo da cidade. Coisas de viajantes com baixo orçamento. Começo o dia procurando alguns equipamentos necessários pra corrida: capacete, luvas, pedais. E o frio pegando! Os termômetros mostram 10°C, mas a sensação térmica é de pelo menos 6°C. A cidade lotada, muitos turistas do mundo inteiro, ou seja, tudo como esperado. Parecia tudo perfeito, até a manhã seguinte.

A preparação em Amsterdã. Foto: arquivo pessoal

Dia 4 – Treino e mais frio

As 7 da matina uma equipe de trabalhadores começa a arrumar o calçamento da rua em frente. Um barulho insuportável me tira da cama, e assim que levanto percebo que a quantidade de picadas aumentara, e agora coçavam bastante. Meio preocupado parto pra mais um dia, decidido a treinar um pouco para a prova, pelo menos pra me acostumar com o frio. E lá vou eu de monociclo pelas ruas, rumo ao Vondelpark, o Ibirapuera holandês. A reação das pessoas na rua é a mesma dos brasileiros, muitos surpresos. Alguns fazem piadinhas bestas, outros tiram fotos. O frio é intenso, mas não chega a incomodar. Depois de uns 35 minutos volto pro hotel, contabilizando quase 10 km de passeio/ treino.

Confira o vídeo do treino:

Dia 5 – Véspera da prova

Mais uma noite tranquila, exceto pela coceira intensa. Acordo bem cedo pra pegar o trem em direção a Düsseldorf. São 3 horas e meia de viagem, com uma troca de trens em Venlo, fronteira da Holanda com a Alemanha. O trem que me leva de Venlo até Düsseldorf está lotado, cheio de bêbados, todos indo assistir a um jogo da segunda divisão do futebol alemão. Uma visão engraçada.

E já percebo a mudança de temperatura. O frio dá lugar ao calor, e quando chego em Düsseldorf vejo os termômetros mostrando 22°C. Enfim de volta ao calor. Da estação direto pro hotel, simples mas confortável. E comparado ao pulgueiro de Amsterdã, era quase um 5 estrelas. De lá sigo pra pegar os documentos da prova: número, chip, instruções, rotas e muita, muita propaganda. Na volta pro hotel faço uma pausa no ponto de bonde mais próximo e me certifico do itinerário e do horário ideal para pegar o bonde no dia seguinte. O dia termina com uma refeição deliciosa e uma taça de vinho, que só tomei pela metade, afinal estava prestes a me tornar um atleta!

Dia 6 – Minha primeira maratona

Bem cedo me levanto e corro pro café da manhã. No grande salão meio cafona encontro alguns corredores, mas nenhum monociclista. Me preparo e sigo pro ponto de bonde. Na hora exata ele chega, e descubro que todos os participantes da prova podem usar o transporte público da cidade de graça (fica a dica). Chego cedo no local de partida da prova, tão cedo que demoro até encontrar o primeiro monociclo.

Um após o outro começam a surgir dezenas de pessoas sobre uma roda. Um clima de expectativa toma conta do ambiente, enquanto converso com alguns deles pra tentar entender o que leva alguém a correr 42.195 metros sobre um monociclo. E pra minha surpresa, sou o participante que viajou mais tempo pra estar ali. Todos os outros competidores não europeus moravam no velho continente, eu era o único “maluco” que cruzou um oceano só pra correr aquela maratona.

Tudo pronto, todos em posição e lá vamos nós. Primeiro largam os handbikers, e logo depois os monociclos. Só meia hora depois que nós largamos é que o pelotão de elite sai, seguido pela massa de corredores do pelotão geral.

Corro sem muitos problemas. Não sinto nenhuma dor significativa, caio duas vezes do mono por pura distração e consigo até parar pra fazer xixi… As picadas coçam durante toda a corrida. O que mais me chama a atenção durante o percurso é o clima de festa por toda a cidade. Milhares de pessoas ficam a beira do percurso incentivando os atletas, muitas crianças e até um grupo de idosas em frente a uma casa de repouso. Isso me faz esquecer da distância, do esforço e da competição. Inúmeras bandas de percussão, sempre com um brasileiro envolvido. Algumas bandas de rock, com a turma em volta bebendo cerveja enquanto os atletas passam. Realmente um evento que mexe com a belíssima cidade de Düsseldorf.

Depois de 2:36:37 termino minha primeira maratona. A sensação é muito boa. Consegui terminar a prova. E ao mesmo tempo me sinto estranho, quase desiludido. Acabou… Em seguida vem uma vontade tremenda de correr de novo. “Quando é a próxima?”, penso eu.

É hora de voltar pro hotel, comer um prato enorme de macarrão e se preparar pra volta ao Brasil. Medalha no peito e mais uma história pra contar. Em 2013 tenho certeza que voltarei…

Monociclos estacionados depois da prova. Foto: arquivo pessoal

Cafi Otta e a medalha da Maratona de Düsseldorf. Foto: arquivo pessoal

Ahhh, as picadas. Desci do avião no Aeroporto de Guarulhos e fui direto para o Hospital Samaritano ver o que estava acontecendo, afinal as picadas continuavam coçando e agora estavam inchadas e muito vermelhas. Lá descubro que fui atacado por pulgões europeus, um nome chique para o percevejo, ou bed bug (inseto da cama). Uma dose cavalar de antialérgico e outra de antibiótico resolveram o problema. Mais uma história pra contar.